Cidades históricas de MG: entre igrejas e ladeiras de Ouro Preto e Mariana
Abundância de arquitetura barroca, culinária de dar água na boca e até mergulho dentro de uma antiga mina de ouro: estas cidades históricas são um banho de cultura a céu aberto
O pão de queijo recém-saído do forno chega quentinho em minhas mãos. Enquanto aprecio seu sabor e maciez, contemplo uma igreja barroca histórica a apenas alguns metros de mim através de um janelão que complementa a arquitetura rústica colonial. Somente por esta breve descrição é fácil saber onde estou.
Além da pulsante capital Belo Horizonte, da artística Inhotim e da religiosa Serra do Caraça, Minas Gerais nos presenteia com suas imaculadas cidades históricas. Ouro Preto e sua vizinha Mariana carregam características próprias, e compartilham um passado inerente para a história do Brasil.
A importância delas, porém, vai além do cenário nacional: Ouro Preto é Patrimônio Mundial da Unesco, o que ressalta a importância do passado brasileiro e de toda a arquitetura e artefatos deixados por aqueles que rascunharam nossa história.
Assim, estar nas cidades históricas mineiras é uma forma de conhecer um pedaço crucial do desenvolvimento de nosso país bem diante de nossos olhos: é uma verdadeira aula a céu aberto com suas casinhas coloniais bem preservadas e inúmeros monumentos, museus e igrejas.
Durante as filmagens do CNN Viagem & Gastronomia por Ouro Preto e cidades históricas da região, pude notar que todo o patrimônio barroco e colonial é integrado hoje por gentis lojinhas de artesanato e por restaurantes que servem o melhor da cozinha regional – torresmo, feijão tropeiro, frango com quiabo e cervejas artesanais são algumas das delícias por aqui – além de hospedagens charmosas ao longo do caminho.
Com toda certeza, afirmo que andar pelas ruas de pedra é um verdadeiro deleite turístico, cultural e gastronômico. E falando nelas, esteja preparada: minha dica é trazer tênis confortáveis e vagar pelas ruas dos centros históricos, passando entre casas bem preservadas e descobrindo cantinhos envolventes que só existem por aqui. Não é à toa que moradores e turistas brincam que “até para descer você sobe”.
Um bom ponto de partida para começar a conhecer as cidades históricas é Ouro Preto. Além de carregar uma parte importante da memória e também dos atrativos culturais que narram estes capítulos, é base ideal para se alojar e conhecer cidades e distritos dos arredores num roteiro bate e volta, servindo muitas vezes até como uma cidade dormitório.
A seguir, viaje no tempo comigo e conheça as principais atrações por meio das minhas andanças por Ouro Preto e Mariana, que dão um banho de cultura e mineiridade com seus museus, igrejas, restaurantes e pousadas.
Ouro preto: a porta-voz da história
Digo que Ouro Preto é uma porta-voz da história do Brasil, com um acervo cultural fascinante. Talvez a mais emblemática e conhecida das cidades históricas, fica a 1h40 de Belo Horizonte e é a porta de entrada para quem deseja descobrir cenários responsáveis por colocar Minas no âmbito nacional nos tempos áureos da mineração. Estar aqui em meio às suas igrejas e construções barrocas é fazer com que as aulas de história ganhem total sentido.
Tamanha importância, Ouro Preto entrou para a lista de Patrimônios Mundiais da Unesco em 1980 – a primeira inscrição nacional na prestigiada relação. Palco da Inconfidência Mineira, revolta que queria a emancipação da Coroa Portuguesa, os arquivos e memórias do movimento, com milhares de peças dos séculos 18 e 19 e documentação histórica, podem ser conferidos de perto no Museu da Inconfidência.
Referência no estado e um dos mais importantes museus sobre este capítulo, o primeiro andar é dedicado à Inconfidência e o segundo é como um museu de arte sacra, onde é agradável se deparar com vários oratórios, por exemplo. O ingresso custa R$ 10, com R$ 5 a meia-entrada.
O atrativo fica no centro, ótimo lugar para descobrir a cidade: repleta de ladeiras e fachadas, por aqui há igrejas com estruturas centenárias e adornos que deixam qualquer um emocionado.
A Igreja Matriz Nossa Senhora do Pilar é imperdível, com detalhes esplendorosos do barroco brasileiro. Construída em pleno auge do ciclo do ouro, no século 18, sua riqueza de talha dourada lembra muito os palácios portugueses. Olhar para cima é vislumbrar o teto maravilhoso todo pintado, em que grande parte dos painéis são representações de mulheres do antigo testamento.
Outra obra significativa da arte colonial, a visita à Igreja de São Francisco de Assis, relíquia do século 18, é obrigatória. Seu interior é adornado com técnicas de pintura de azulejos portugueses, mas feito em madeira pelo Mestre Ataíde.
O teto é uma obra-prima à parte. Pinturas, adornos e até rabiscos achados na década de 1960, do que se acredita ser a projeção da fachada da igreja, podem ser encontrados. São construções fascinantes que nos fazem contemplar o entorno com um olhar cultural e religioso.
Além das igrejas, outros pontos merecem ser visitados, como a Casa de Ópera de Vila Rica, teatro mais antigo em funcionamento do país; a Feirinha de Artesanato do Largo de Coimbra; e o Museu do Oratório, anexo da Igreja de Nossa Senhora do Carmo. A dica é, novamente, “perder-se” pela cidade e se surpreender com a riqueza de seus detalhes em cada canto.
A culinária local: entre torresmos, frangos e quiabo
Os bens materiais de séculos passados são patrimônios que moldam a “cara” de Minas, mas não são os únicos: a pluralidade gastronômica se mostra como um traço identitário muito forte – além de ser incrivelmente deliciosa. E Ouro Preto honra suas origens com restaurantes e bares que fazem bonito na hora de preparar uma receita tradicional.
Bateu a fome entre um passeio e outro? Bem ao lado da majestosa Igreja de São Francisco de Assis fica o Bené da Flauta, restaurante e café num casarão colonial branco e azul que serve comida regional refinada.
São 39 janelões ao todo, em que conseguimos ter uma visão privilegiada do centro histórico junto de uma cerveja. Além de um bom arroz de alho, carne seca cozida no pirão de mandioca servida com purê de abóbora (R$ 72), o melhor de estar aqui é apreciar pela janela a vista a alguns metros da igreja, uma das obras mais impressionantes de Aleijadinho.
E se comida mineira te lembra casa de vó, a Casa do Ouvidor, na rua Direita, bem no centro, é o lugar para um dos melhores frangos com quiabo da vida (R$ 59,50 a R$ 87,50). Aqui também é servido um frango ao molho pardo de dar água na boca (R$ 59,50 a R$ 90), mais uma entre as receitas de “raiz” que a agradável casa serve. Vai uma pimentinha para acompanhar os pratos? Sim, por favor!
E quando a noite cai, o agito também vem: é uma boa ideia dar uma passada na Cervejaria Ouropretana, na rua Benedito Valadares, no bairro do Rosário. Cervejaria tradicional artesanal de Ouro Preto, a lojinha de fábrica vende cervejas e também as serve junto de comidinhas típicas, como barriga de porco e carnes desfiadas.
A fim de uma boa pizza? Ouro Preto também tem: o Passo Pizza Jazz ocupa um belo casarão do século 18 bem no centro histórico, onde pizzas de massa de fermentação natural, como a de calabresa com gorgonzola (R$ 61 a grande) e outra de brie e parma (R$ 70), podem ser beliscadas numa ampla varanda externa com vista para a Casa e a Ponte dos Contos.
Mas não são apenas restaurantes na cidade que oferecem uma imersão gastronômica pelas raízes de Minas: no distrito de Cachoeira do Campo uma parada deliciosa mexe com nossos sentidos e nos possibilita ver de perto todo o processo de se fazer queijo.
Falo do Queijo Inconfidentes, que nasceu em Ouro Preto e produz um formidável queijo minas artesanal a partir de leite do gado Jersey – que é rico em gordura.
Aqui, em meio ao rebanho e às paisagens rurais, cerca de cinco horas foram necessárias para produzir meu próprio queijo: desde a ordenha até a sala de maturação, acompanhei a extração de cerca de 120 litros de leite – em média são 250 litros diários – e logo coloquei a mão na massa (literalmente) para que ele virasse um queijo artesanal digno de nota.
É um orgulho acompanhar todo o processo e ver também os queijos aos montes pelas salas. Depois, o legal é fazer uma degustação para analisar as diferenças que o tempo dá ao alimento: entre queijos frescos ou os maturados por 30, 60 e 90 dias, o sabor vai se acentuando e a casca ficando mais firme. Uma perdição!
Hora do descanso: pousadas cheias de história
Entre suas igrejas, museus e paradas para matar a fome – e se deliciar -, as pousadas de Ouro Preto também são atrações à parte. Históricas e encantadoras, como manda a cidade, há tipos de hospedagens para todos os bolsos e uma oferta grande que varia na localização, nas amenidades e nos tamanhos.
Bem no coração da cidade, a Pousada do Mondego carrega a essência rústica de Ouro Preto e é uma oportunidade ímpar de se hospedar em um casarão histórico com móveis de época enquanto se apreciar vistas do quarto diretamente para cartões-postais de Ouro Preto.
Por estar em uma localização central, vamos acordando à medida que a cidade ao redor também desperta, com seus comércios, cafés e atrações prontos para um novo dia. O café da manhã, inclusive, pode ser feito num terraço com vistas privilegiadas para a cidade – como a imponente Igreja de São Francisco de Assis à minha direita.
Um pouco mais afastada, já na serra, a Vila Relicário garante sossego e vistas mais amplas para a natureza ao redor. A casa dos anos 1990 foi construída por um antiquarista para ser uma espécie de exposição de antiguidades, as quais foram garimpadas por Minas Gerais.
A estrutura foi então vendida para seus proprietários atuais, que abriram um hotel que hoje possui mais de 20 quartos, incluindo chalés, restaurante e um pôr do sol apaixonante enquadrado pela paisagem da região.
Mina da Passagem: ligação do ouro com Mariana
Outra cidade que guarda charmes mineiros e cantinhos barrocos dos tempos coloniais é Mariana, a 110 km de “Beagá” e singelos 14 km de Ouro Preto, cerca de 20 minutinhos de carro. Com a pequena distância, é ideal para fazer um bate e volta e conhecer os principais atrativos do destino, que se destaca entre as cidades históricas por ter sido a primeira vila, cidade e capital de Minas Gerais.
É aqui que reside uma das joias mais impressionantes que exemplifica e conta mais sobre a história da exploração do ouro na região: a Mina da Passagem, um passeio em antigas minas por um caminho que liga Ouro Preto a Mariana, onde descobrimos diversos túneis e trilhos que serviam de base para a exploração mineral.
Além de um passeio muito interessante, para mim, estar aqui é olhar para o passado de duas formas: o meu passado afetivo e também o passado histórico, pois visitei este local há mais de 30 anos quando fiz um passeio com a escola pelas cidades históricas.
Todo o ambiente foi preservado para carregar as características deste espaço que foi ativo entre 1719 e 1985 – a equipe afirma que foram tiradas oficialmente 35 toneladas de ouro no período que o local ficou em funcionamento.
O passeio começa com um carrinho típico que desce cerca de 315 metros a partir de um trilho, que entra em um túnel iluminado por luzinhas laterais. No fim da linha, uma atmosfera peculiar é característica: um silêncio domina o ambiente.
É impactante pensar que todo este interior foi talhado pelas mãos de escravos, um trabalho duro e difícil que também mexe conosco. Interessante notar que há até um santuário improvisado e instalado ali, com a figura de Santa Bárbara, a padroeira dos mineiros nos olhando fixamente.
E, no meio disso tudo, temos licença poética para mergulhar na história. Não falo no sentido figurado: aqui há um lago subterrâneo, uma área inundada em que podemos fazer mergulho de cilindro junto de guias profissionais de agências parceiras da mina.
A água é cristalina e a temperatura constante beira os 21°C. Em números: a profundidade do trecho alagado chega a 240 metros, mas os visitantes mergulham apenas até aproximadamente 20 metros. São também 160 metros de cabeamento que auxilia a nos guiarmos debaixo d’água.
Uma vez aqui, não poderia deixar de mergulhar e sentir a energia de se estar em uma grande área alagada dentro de uma mina. Para mim, este exercício é uma forma de respeitar meu corpo, meus limites e também dar um passo à frente. Digo que nos superamos quando enfrentamos o medo, mas quando fazemos isso de forma responsável, é um ganho.
Enfim, é chegada a hora de entrar na água. Já devidamente trajada, com roupas de neoprene e cilindros, o coração fica acelerado, mas a ansiedade de mergulhar também. É inigualável descer cerca de 10 metros entre as pedras na água límpida e transparente, a qual fica ainda mais fotogênica com as luzes das lanternas.
Importante ressaltar que não há muita biodiversidade pelas condições do local – não espere peixes por exemplo -, e a galeria é bem grande e cheia de pedras. Em uma das partes há até uma caveira posicionada para que nos lembremos que nossa vida vale mais do que se arriscar sem segurança por áreas ainda não exploradas aqui.
Uma vez fora da água, a adrenalina dá lugar a uma sensação boa de missão cumprida e, de volta ao carrinho, já próximos da saída, a luz do dia nos dá as boas-vindas novamente. O passeio na mina gira em torno de R$ 180 para adultos e R$ 90 para crianças de 6 a 12 anos. Os mergulhos são feitos com auxílio de agências parceiras, com preços variáveis.
Outros atrativos de Mariana
Como regra nas cidadezinhas históricas, o indicado é circular a pé pelo centro histórico: um dos marcos de Mariana é a Praça Minas Gerais, no alto do município, conjunto arquitetônico formado pela Igreja São Francisco de Assis, a Igreja Nossa Senhora do Carmo (que ficam lado a lado), a Casa da Câmara e a Cadeia. Parece cenário de filme.
Um dos endereços mais envolventes da cidade é a Rua Direita, com casarões coloniais de janelas grandes, paredes altas e sacadas com grades que abrigam lojinhas de artesanato, de roupas e tecidos. Além de toda magia dos tempos áureos passados, a rua abriga a Igreja da Sé, bem fotogênica e com adornos preservados que remetem ao catolicismo do período colonial.
No alto do centro histórico, a cidade ainda é lar da Igreja São Pedro dos Clérigos, um templo católico barroco com construção iniciada em 1753 mas apenas concluída de fato mais de 160 anos depois, aproximadamente na década de 1920.
Seja pelas igrejas, pelas ruas de pedra ou até debaixo d’água numa mina, vale a pena visitar Ouro Preto e Mariana sem pressa, degustando tudo aquilo que seu passado histórico – e seu presente gastronômico – pode nos dar.
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